Por Allana Lopes (Advogada Associada do Departamento Jurídico Administrativo)
Diante do cenário de pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19), muito se discute sobre medidas de redução de gastos da Administração Pública e direcionamento do dinheiro público para ações de combate à doença. No pacote de medidas inclui-se a redução salarial do funcionalismo público, que vem sendo objeto de debate entre os parlamentares há algum tempo.
O artigo 37, XV, da Constituição Federal de 1988 dispõe que o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis. Tal prerrogativa decorre da natureza alimentar da qual se reveste a verba remuneratória, uma vez que o servidor depende destes valores para pagamento de suas despesas regulares.
Ademais, a disciplina constitucional exprime no art. 37, X, da CF/88, que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso. Nesse sentido, o princípio da irredutibilidade de vencimentos recebe o condicionamento do princípio da legalidade, o que significa que nenhuma outra modalidade normativa, senão a lei, pode determinar o patamar remuneratório do servidor.
Cumpre mencionar que o princípio da irredutibilidade de vencimentos protege apenas o vencimento básico do servidor, não abrangendo, portanto, as vantagens pecuniárias permanentes, a exemplo dos adicionais e as gratificações devidas por força de circunstâncias específicas e transitórias.
No tocante à possibilidade de reduzir os vencimentos dos servidores a partir da diminuição da jornada de trabalho, o Supremo Tribunal Federal, por meio do deferimento da medida cautelar nos autos da ADI º 2.238/DF suspendeu desde 2002 a eficácia da parte final do §1º do art.23 da Lei de Responsabilidade Fiscal e, integralmente, a eficácia do §2º do referido artigo que, em suma, permitia a redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
O entendimento majoritário dos Ministros da Suprema Corte é no sentido de que a ordem constitucional vincula a todos, independentemente dos ânimos econômicos. Assim, a violação da garantia à irredutibilidade de vencimentos significaria um verdadeiro retrocesso social na seara dos direitos e da Ordem Social.
Desse modo, mesmo diante da atual situação de pandemia e por mais urgente que seja a necessidade de realocar recursos para a área da saúde, a redução de vencimentos do funcionalismo público não se apresenta como a providência mais adequada, posto que a própria Constituição dispensa especial proteção ao tema e fixa outras medidas que podem ser tomadas pela Administração Pública (§§ 3º e 4º do art.169).