Por Arthur Paiva (Advogado Sócio da Marcos Inácio Advocacia Empresarial)
Para responder essa pergunta é necessário inicialmente explicar o que é vício e o que é defeito, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.
Vício, nas palavras de TARTUCE e NEVES[1], ocorre “quando existe um problema oculto ou aparente no bem de consumo, que o torna impróprio para uso ou diminui o seu valor, tido como um vício por inadequação”, ou seja, é uma situação ínsita ao próprio produto ou serviço. A título de exemplo, podemos citar um celular que apresenta falha em um componente interno, um piso em porcelanato que empena, acima dos limites da NBR 13.818/1997 ou um livro que não teve a impressão de todas as páginas e impede a leitura de parte da história.
Já o defeito, que tecnicamente recebe a alcunha de fato do produto ou do serviço, na definição dos mesmos autores, ocorre quando “presentes outras consequências além do próprio produto, outros danos suportados pelo consumidor, a gerar a responsabilidade objetiva direta e imediata do fabricante”. De modo a ilustrar, citando as mesmas hipóteses do parágrafo anterior, se verificará quando o celular que pela falha do componente interno vier a causar algum dano ao consumidor, como numa explosão, ou um porcelanato que ao empenar causa o desequilíbrio de alguém que vem a cair e se lesionar ou se um livro que é encadernado com material de baixa qualidade que termina por causar problemas respiratórios nos leitores.
Perceba que enquanto os vícios são problemas inerentes à coisa, o defeito ou fato do produto/serviço, causa um dano que vai além do produto/serviço.
Qual a maior importância em saber a diferença entre vício e defeito?
No nosso ponto de vista, é se o prazo de reclamação ao fornecedor será decadencial de 30 (trinta) dias para produtos não duráveis e de 90 (noventa) dias para produtos duráveis ou se para ambos se aplicará o prescricional e se estenderá para 5 (cinco) anos.
Com o objetivo de estender esse prazo para cinco anos, tem sido muito comum que vários advogados façam pedido de dano moral, sustentando assim que o vício teria se estendido para além do produto ou serviço e consequentemente se convolando em defeito e desse modo permitindo que se aplique o prazo prescricional, suplantando o decadencial.
Acontece que para o judicante mais atencioso, essa tentativa não pode prosseguir, considerando que o direito deverá observar a natureza da questão posta em juízo.
É importante ressaltar que não é a denominação da ação ou o pedido que é formulado quem determina a aplicabilidade do prazo decadencial ou prescricional, mas sim, a natureza jurídica da ação, afinal se assim não o fosse, inexistiria segurança jurídica na definição dos prazos posto que bastaria que um advogado habilidoso migrasse ou aditasse os pedidos, para fugir e afastar eventual decadência. Nesse sentido, observe o entendimento pacífico do STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 2. NATUREZA DA PRETENSÃO. CARACTERIZAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INCIDÊNCIA DO PRAZO DECADENCIAL. 3. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional na hipótese de, apesar de rejeitados os embargos de declaração, o acórdão recorrido enfrentar, através de fundamentação suficientemente sólida, a matéria necessária para o deslinde da causa. 2. O acórdão recorrido está em consonância com a orientação firmada por esta Corte, no sentido de que ” a natureza jurídica da ação não se determina pela denominação atribuída pelo autor, no momento da propositura da demanda, mas sim pelo objeto perseguido efetivamente, com análise sistemática do pedido e da causa de pedir deduzidos na inicial, nascendo justamente dessa análise a definição do prazo de prescrição ou decadência. Precedentes.” (REsp 1.551.430/ES, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/09/2017, DJe 16/11/2017). 3. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1198695/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 14/06/2018)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NOMINADA ORDINÁRIA RECONHECIDA COMO AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. PRAZO PRESCRICIONAL DE DOIS ANOS. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA CAUSA DEBENDI. IMPOSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO COMO AÇÃO ORDINÁRIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte Superior possui entendimento firmado de que o nome atribuído à ação é irrelevante para a aferição da sua natureza jurídica, que tem a sua definição com base no pedido e na causa de pedir. 2. Não tendo o autor demonstrado a causa debendi, ou seja, o negócio jurídico que deu origem ao título prescrito (cheque), requisito essencial ao ajuizamento da ação pelo rito ordinário, deve ser confirmado o acórdão na origem que conheceu da presente como ação de locupletamento, aplicando ao caso o prazo prescricional de dois anos, previsto no art. 61 da Lei 7.357/85. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1090158/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 13/04/2016)
Perceba que se o cerne de determinada demanda e o que lhe lastrear o pedido for o vício do produto, não há como impor a hipótese de se pretender a aplicabilidade do prazo prescricional, até por expressa disposição do art. 27 do CDC que apenas caracterizar-se-ia quando ocorresse fato do produto ou serviço.
Ademais, o art. 27 prevê que o prazo prescricional apenas aplicar-se-á nas hipóteses indicadas na seção II do Código que são justamente os art. 12 a 17 que dispõem sobre fato do produto/serviço, o conhecido popularmente “defeito”, o qual para se caracterizar, necessita causar danos aos consumidores, como já indicado acima.
Ou seja, se o pedido formulado em um determinado processo, a título de exemplo, tomar por base um porcelanato que teve vícios de fabricação, empenou e deixou determinado cômodo de um imóvel com má aparência, ainda que se venha a pretender uma indenização por danos morais, entendemos que não há hipótese de extensão do prazo de reclamação para cinco anos, tendo em vista que o fundamento comum para essa reclamação é o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor.
Em sendo aplicado o art. 18 do CDC que dispõe sobre vício do produto ou serviço, não há como conjecturar adoção do prazo prescricional, mas sim o decadencial, de modo que se o consumidor não reclamar junto ao fornecedor no prazo de 90 (noventa) dias, o seu direito decairá, ou seja, será perdido e o fabricante, comerciante ou prestador de serviço não poderão ser responsabilizados.
Ao perceber e entender essa diferença, o consumidor pode atentar para não deixar o seu direito perecer e o fornecedor não arcará com despesa que não mais lhe cabe.
[1] Manual de direito do consumidor : direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves.– 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014. Página 114. Versão digital.