Por Christina Morais (Coordenadora do Núcleo de Entes Públicos)
A lei 8.429/92, conhecida como Lei da Improbidade Administrativa (LIA), prevê sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de danos ao erário, enriquecimento ilícito e violação aos princípios administrativos, quando no exercício de mandato, cargo, emprego ou função; isso, na Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional. Tal legislação também remete a outras providências. Mais especificamente, nos arts. 9, 10 e 11 daquele diploma legal, é previsto, de maneira exemplificativa, os atos, os quais constituem Improbidade Administrativa.
Em verdade, pela Lei, tanto agentes públicos como particulares à serviço da Administração Pública podem incorrer nas prescrições dos artigos, afinal, o bem protegido é o patrimônio público.
Usualmente, a imprensa nacional e o senso comum tendem a utilizar o termo “corrupção” – crime tipificado no Código Penal para designar o mau uso da função pública com o objetivo de obter uma vantagem – para qualificar quaisquer atos que venham a produzir prejuízos à Administração Pública de forma geral. Aliás, muitas vezes, os conceitos de “corrupção”, “improbidade administrativa” e “crimes contra a Administração Pública” são confundidos e adotados de forma equivocada, o que aponta um erro. A própria lei 12.846/13, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção (LAC) vem corroborar para a existência deste pequeno equívoco.
Fazendo uma análise menos aprofundada, talvez, tal interpretação ocorra pelo fato de um mesmo cidadão poder vir a ser punido na esfera penal, civil e administrativa disciplinar, pelas mesmas ações, já que uma instância não impede, nem invalida outra, pois não se confundem. Em outras palavras, não há interferência recíproca entre as instâncias civil, penal e administrativa, ressalvadas as hipóteses de absolvição por inexistência de fato ou de negativa de autoria (Supremo Tribunal Federal – STF – Precedentes: MS 34.420-AgR, Segunda Turma, Rel.Min. Dias Toffoli, DJe de 19/05/2017; RMS 26951-AgR, Primeira Turma,Rel. Min. Luiz Fux, Dje de 18/11/2015; e ARE 841.612-AgR, SegundaTurma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 28/11/2014).
Nos últimos tempos, várias notícias sobre investigações no âmbito de inquéritos civis, criminais, e em sindicâncias e processos administrativos disciplinares, vêm difundindo os famosos acordos de leniência. Inclusive, tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, projeto destinado a acelerar o processo de combate à Improbidade Administrativa. O texto do senador Flávio Arns (Rede-PR) modifica a Lei 8.429, de 1992, de modo a aumentar a efetividade do bloqueio de bens, punir a omissão da prestação de contas e a obstrução de transição de mandatos, permitir acordos de leniência (já previstos na Lei Anticorrupção – LAC) e regulamentar a redução de penas de réus confessos, entre outras medidas.
Para os defensores dos acordos de leniência, no que diz respeito à possibilidade de celebração de tais avenças, estabelece a lei 12.846/13 que a autoridade pública poderá valer-se do referido instrumento desde que as pessoas jurídicas acusadas colaborem efetivamente com as investigações. Para que a sua colaboração seja considerada efetiva, deve decorrer dela: i) a identificação de eventuais coautores da infração e; ii) a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
As pessoas que se figuram de maneira desfavorável defendem que o instituto traz insegurança jurídica. Nesta seara, o STF tem repelido tal entendimento, de modo a garantir a devida segurança jurídica ao instituto, o que vai de encontro às tentativas do TCU de declarar a inidoneidade de empresas lenientes em decorrência de fatos que integraram seus acordos, tentativas estas que decorrem do manejo enviesado do entendimento segundo o qual a suposta competência da Corte de Contas não estaria vinculada à legislação infraconstitucional.
Por este cenário, apesar de ter havido uma evolução no diálogo interinstitucional sobre o tema leniência, e do Poder Judiciário estar garantindo a efetividade dos acordos, defendendo-os de ataques realizados por diversas instituições estatais, é certo que ainda não se pode dizer que o processo de mudança de paradigmas estabelecido pela Lei nº 12.846/2013 chegou a uma fase de plena estabilização.