Publicado em 26/11/2019

Lei da Liberdade Econômica e controle de jornadas

Por Rafael Marques (Advogado Sócio da Marcos Inácio Advocacia Empresarial)

Por Rafael Marques (Advogado Sócio da Marcos Inácio Advocacia Empresarial)

Na última sexta-feira (20/09) foi sancionada a Lei Nº 13.874/2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelece garantias de livre mercado. Embora não seja uma lei de cunho trabalhista, o novo conteúdo normativo trouxe modificações nas relações de trabalho, tais como: (i) a preferência pela emissão da CTPS eletrônica; (ii) A ampliação do prazo de 48 horas para 5 (cinco) dias úteis para fazer o registro do empregado na CTPS; (iii) a obrigação de adoção de registro de ponto apenas para empresas com mais de 20 (vinte) empregados, dentre outras alterações.

Contudo, nos ateremos ao principal ponto de alteração trabalhista, que pode gerar controvérsias, qual seja, o “controle de jornada por exceção”.

Segundo a nova lei, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, passa a ser permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, vejamos:

§4º Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”

Mas, afinal, o que é registro de ponto por exceção?

Compreende-se por registro de jornada por exceção quando o empregado é dispensado do controle de horário de entrada, saída e intervalo, registrando apenas as exceções que, eventualmente, ocorram na jornada de trabalho, a exemplo de intervalo intrajornada não gozado, horas extras e saídas anteriores à jornada de trabalho.

Na prática, caso os empregadores adotem essa modalidade de controle de jornada, os empregados não necessitarão do registro de ponto diário, permanecendo a obrigação de cumprimento de jornada convencionada no contrato de trabalho.

Entretanto, essa previsão legal não é inovadora, haja vista que desde 2011 o próprio Ministério do Trabalho, através da Portaria nº 373/2011, já estabelecia a possibilidade de adoção pelos empregadores de sistemas alternativos de controle de jornada de trabalho, desde que autorizados o seu formato por Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.

Além disso, o próprio Tribunal Superior do Trabalho – TST já reconhecia sua validade, exigindo, para tanto, expressa previsão em norma coletiva, conforme precedente a seguir.

RECURSO DE REVISTA. SISTEMA DE CONTROLE ALTERNATIVO DE JORNADA. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. PROVIMENTO. A teor do preceito insculpido no artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, é dever desta Justiça Especializada incentivar e garantir o cumprimento das decisões tomadas a partir da autocomposição coletiva, desde que formalizadas nos limites da lei. A negociação coletiva, nessa perspectiva, é um instrumento valioso que nosso ordenamento jurídico coloca à disposição dos sujeitos trabalhistas para regulamentar as respectivas relações de trabalho, atendendo às particularidades e especificidades de cada caso. É inequívoco que, no âmbito da negociação coletiva, os entes coletivos atuam em igualdade de condições, o que torna legítimas as condições de trabalho por eles ajustadas, na medida em que afasta a hipossuficiência ínsita ao trabalhador nos acordos individuais de trabalho. Assim, as normas autônomas oriundas de negociação coletiva, desde que resguardados os direitos indisponíveis, devem prevalecer sobre o padrão heterônomo justrabalhista, já que a transação realizada em autocomposição privada resulta de uma ampla discussão havida em um ambiente paritário, no qual as perdas e ganhos recíprocos têm presunção de comutatividade. Na hipótese, a Corte Regional reputou inválida a norma coletiva em que autorizada a marcação somente das horas extraordinárias realizadas, sob o fundamento de que contrariava previsão expressa em lei. Isso porque, em razão de o artigo 74, § 2º, da CLT determinar, obrigatoriamente, a anotação, pelo empregador, dos horários de entrada e de saída dos empregados, essa exigência não poderia ser afastada por meio de negociação coletiva. Conforme acima aduzido, a Constituição Federal reconhece a validade e a eficácia dos instrumentos de negociação coletiva, desde que respeitados os direitos indisponíveis dos trabalhadores. Ocorre que a forma de marcação da jornada de trabalho não se insere no rol de direitos indisponíveis, de modo que não há qualquer óbice na negociação para afastar a incidência do dispositivo que regula a matéria, com o fim de atender aos interesses das partes contratantes. Impende destacar, inclusive, que o artigo 611-A, X, da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, autoriza a prevalência das normas coletivas que disciplinam a modalidade de registro de jornada de trabalho em relação às disposições da lei. É bem verdade que o aludido preceito, por ser de direito material, não pode ser invocado para disciplinar as relações jurídicas já consolidadas. Não se pode olvidar, entretanto, que referido dispositivo não trouxe qualquer inovação no mundo jurídico, apenas declarou o fato de que essa matéria não se insere no rol das garantias inegociáveis. Ante o exposto, mostra-se flagrante a afronta ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR-2016-02.2011.5.03.0011, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 09/10/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/10/2018)

Como se observa da jurisprudência acima colacionada, a intenção da alta corte trabalhista foi prestigiar e conferir amplitude às negociações coletivas de trabalho, em atenção ao disposto no artigo 7º, XXVI da Constituição Federal, que se traduz no dever constitucional e democrático de prestigiar a autocomposição coletiva, lógico que formalizadas nos ditames da lei.

A Lei 13.467/2017 veio para ratificar a amplitude das negociações coletivas, quando trouxe, no artigo 611-A, da CLT, a prevalência do negociado sobre o legislado:

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: X – modalidade de registro de jornada de trabalho;

Mas agora vem a pergunta: Quais são os pontos positivos e negativos dessa medida?

Do ponto de vista dos empregados, é possível verificar que em empresas que possuam vários trabalhadores, “o registro de ponto por exceção” pode ser positivo, tendo em vista que auxiliariam os empregados a gozarem ao máximo de seus intervalos intrajornada, ao contrário do que ocorre em algumas empresas, em que os funcionários fazem filas enormes para o registro do ponto.

Por outro lado, sob a ótica dos empregadores, a medida pode ser negativa, haja vista que o empregador pode não ter controle e transparência, no caso de empresas com razoável quantidade de empregados.

Entretanto, como revela o título da própria lei, “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, o registro de ponto por exceção parte de uma ideia de boa-fé entre empregados e empregadores, trazendo a noção de desburocratização existente em países atrativos para se fazer negócios e que possuem menos rigidez nas relações de trabalho.

Assim, o objetivo da lei é desburocratizar as relações de trabalho, internalizando a ideia de confiança e de boa-fé, bem como a de adoção de uma sistemática que navega pela simplicidade na administração de informações que sejam eventualmente variáveis, daí o nome “ponto por exceção”.

No geral, a vantagem na adoção dessa sistemática deverá ser avaliada em cada caso concreto, mas sempre mediante acordo individual ou coletivo.

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